Levante do Boi

Olha o Boi, olha o Boi,
Olha o Boi, olha o Boi, olha o Boi!
(Chamado do Boi pelo Caixeiro – Domínio Público)

Texto de Marcell Moraes

O “Boi de Pano” em Paraty como popularmente é conhecido, sempre teve um lugar especial nos festejos da comunidade. Sua participação nos festejos do Espírito Santo se dava juntamente com outras figuras que compunham a apresentação performática, conforme o historiador paratiense Diuner Mello comenta: “Obrigatória é ainda a presença do boi, do cavalinho e do capinha, as mais tradicionais figuras folclóricas destes festejos” (MELLO, 2003, p. 44).

Em Paraty, essa prática integrante das festividades especialmente em louvor ao Divino Espírito Santo é bastante consolidada, desde tempos remotos, como nos evidencia a historiadora Marina de Melo e Souza em seu livro intitulado “Paraty a Cidade e as Festas”, a autora nos apresenta um trecho de um dos Jornais de circulação local, do início do século XX, que extraímos abaixo:
“o demônio do boi da festa é mesmo arrenegado e o terror das quitandeiras. Pois o danado apesar de ser oficialmente policiado perdeu o respeito, arrumou uma famosa chifrada na tia Joana que atirou-a de pernas para o ar! Mas já viram só que marvado?... Uma faca o persiga!...” (SOUZA, 1994, p. 130).
Trazendo alusão a “Repartição do Boi”. Se no início do século XX o Boi se mostrava muito mais peralta, investindo ferozmente contra o público, na atualidade ele é muito mais dócil.

A pedagoga e historiadora Thereza Maia diz que o “Boi” é feito de uma armação de taquara recoberta de pano pintado, tendo por cabeça uma caveira de boi, também coberta de pano, com chifres a mostra e olhos de espelho. Quem a conduz vê o caminho através de uma abertura feita no pescoço do “Boi”. Em 1972, o “Boi” era preto, malhado de branco. Em 1973 foi feito de cor cinzenta.” Além do boi e do cavalinho, temos também a grande boneca Miota. (MAIA, 2015, p. 66)

Dentro dos atos de apresentação do Boi, em dado momento ele “morre” e posteriormente “ressuscita”. Possivelmente, esta carcaça utilizada para a confecção da cabeça do “Boi de Pano” seja proveniente do gado que serviu para alimentar a população neste período de festejos, desta forma é como se o Boi não morresse por completo, mas sua presença física permanece em meio a festa, ele, o Boi, se doa para a realização da grande confraternização, não está mais vivo, mas, agora refeito em “Pano”, anima a festa e a população.
Outro aspecto importante de salientar são as adaptações e reinterpretações que a apresentação do Boi atravessou durante os anos, como foi o episódio da Festa do Divino de 1985, onde o “Capinha” foi uma mulher, a senhora Pedrina Albano Fernandes, filha do senhor João Perrié que foi “Capinha” na década de 1950.
É interessante a participação de uma mulher numa apresentação até então majoritariamente realizada por homens, o que evidencia que a tradição está sempre em transformação e diálogo com a atualidade e o mundo contemporâneo.
(Texto de Marcell Moraes com colaboração de Juliana Manhães).

Descrição das figuras do Boi de Pano: tradição e tradução

Boi de Pano

Protagonista do brinquedo popular presente na história de Paraty, principalmente na Festa do Divino Espírito Santo, que remete ao Boi-Bumbá. Seu nome se refere a sua conformação: dorso de boi com cabeça e chifres, coberto por tecido estampado, cujo “miolo” era representado, tradicionalmente, por um brincante do gênero masculino. Na atual versão no Boi de Pano Parati, o “miolo” se mantém conforme a tradição, sendo um brincante do gênero masculino.

Capinha

Personagem vestido de cavaleiro, proprietário do Boi de Pano, que ao final da brincadeira, é responsável pela “repartição” (divisão das partes do boi) e distribuição da “carne” aos presentes no público. Na versão revitalizada do Boi de Pano Parati, Capinha é interpretado por uma brincante que carrega uma capa vermelha e mostra cuidados com o boi, simbolizando respeito e agradecimento ao animal que contribui na conservação da existência humana.

Cavalinho

Personagem presente nas manifestações de boi no Brasil, sendo levado por um vaqueiro, podendo ser chamado também de “burrinho”. Sua função em o Boi de Pano Parati é proteger e controlar o Boi que tenta escapar de ser morto. Nas laterais da indumentária prendem-se as pernas da calça do vaqueiro, de modo que pareça que o brincante está montado no animal. Historicamente, a figura do Cavalinho sempre foi representada por um brincante do gênero masculino. Em o Boi de Pano Parati, uma brincante que traduz a brincadeira para o público, enquanto “miolo”.

Peneirinha

Figura cômica com características físicas caricaturais: pequenino, com cabeça grande feita de peneira e tecido branco amarrado até a cintura, braços muito compridos e andar desengonçado. Veste um terno abotoado para trás, confundindo a todos se caminha de costas ou se sua cabeça gira 360°. O “miolo” em o Boi de Pano Parati é representado por uma brincante, em atuação inédita, se considerarmos os registros históricos que relatam a presença de homens no interior do boneco. Na atual versão, é enamorado de Miota, fazendo de tudo para conquistá-la, inclusive tomar uma poção mágica para aumentar de altura e ser visto pela boneca gigante.

Miota

O historiador Diuner Mello descreve na obra Festa do Divino Espírito Santo em Paraty: manual do festeiro, que Miota tem o pescoço grande para olhar dentro dos sobrados, e depois contar as fofocas que viu e ouviu. Na obra é defendida a versão de que a boneca, cuja nome originalmente seria Minhota, representa a mulher do Minho, pertencente do imaginário tradicional da região, em Portugal. A cultura popular portuguesa pode ter inspirado a criação de Miota, boneca gigante com pescoço alongado para ver e ouvir os acontecimentos alheios, nas sacadas de Paraty. Diuner Mello, em sua obra, utiliza artigo masculino para descrever o “miolo”, confirmando a presença do gênero masculino na brincadeira com a boneca. Em ocasiões excepcionais, a boneca foi brincada por mulheres, em tempos mais recentes.

Uma grande boneca, feita com armação de bambu, que depois é recoberta com blusa e saia grande e rodada. Sua cabeça é feita de tecido e fixada em um longo e fino pescoço. O brincante entra por dentro da armação e passa a andar, movimentando-a e brincando com o povo. Diz o povo de Paraty que a Minhota tem o pescoço grande para olhar dentro dos sobrados, e depois contar as fofocas que viu e ouviu (MELLO, 2003, p. 73).  

“MIOTA”

Miota, como você está bonita

Com esse laço de fita

Passeando no salão

Nas janelas dos sobrados

Você fica observando

Quem passeia pela praça

Que casais vão namorando

Eu vou contar, eu vou cantar

O que eu vi na capelinha numa noite de luar

Vou passear pela rua junto com o Boi de Pano

Gostei dessa brincadeira 

Quero brincar todo ano

(Fernando Alcantara)

Na criação do Boi de Pano Parati, em 2024, Miota não possui traços de fofoqueira e abriga em seu interior, uma brincante, enquanto “miolo”. A representação atual da boneca enfatiza a integridade moral feminina. É a musa de Peneirinha que tudo faz para lhe chamar a atenção e poder namorá-la, devido seus atributos de mulher independente e de caráter grandioso. Em 2024, Fernando Alcântara, liderança do coletivo Boi de Pano Parati, compõe uma ciranda inédita, onde Miota é descrita como uma mulher bonita e vaidosa que observa de sua sacada, os casais de namorados, o que lhe imprime olhar nostálgico e romântico. 

Voronoff

Boneco inspirado em um personagem real, o médico cirurgião francês de origem russa, Serge Voronoff, nascido no século XIX, que fazia experiências usando órgãos de animais na promessa de eternizar a juventude aos seus pacientes. A figura brincante teve suas primeiras aparições nas folias carnavalescas de Paraty, portando um cabeção de papel e ares de charlatão. Em o Boi de Pano, carrega uma seringa gigante para injetar uma poção de crescimento para Peneirinha ser visto por sua amada, a boneca Miota.

Daqui de parati

Década de 1960
Década de 1960

Manuel Jesus Torres

Tabelião, rezador e festeiro,
além de tocador de pandeiro

década de 1970
década de 1970

Cartaz da peça "Liberdade para o Boi Malhado"

Pintura de João José da Silva
Artista paratiense
Década de 1975.
Década de 1975.

Cortejo do Boi

Foto de Thereza Regina de Camargo Maia
Festa do Divino 

Década de 1978
Década de 1978

Cortejo do Boi com Miota

Foto de Thereza Regina de Camargo Maia
Festa do Divino

Ano de 1985
Ano de 1985

Homenagem à Festa do Divino e o Boi

Pintura de João José da Silva
Artista paratiense