Brincadeira de criança paratiense é correr atrás do Boi de Pano, se enrolar na saia da Miota, “montar” no cavalinho, se vestir de peneirinha, voronoff e mascarado nos festejos populares de Paraty. São tradições que habitam nosso imaginário desde a infância e que, ao crescermos, despertam em nós o desejo de mantê-las vivas e fortalecidas. Foi desse sonho de infância, o diálogo entre culturas somado ao desejo e à sabedoria dos mestres, que nasceu o projeto Levante do Boi.
O Polo Sociocultural Sesc Paraty deu o impulso necessário para o fortalecimento dessa tradição. Ao longo de quase um ano de projeto, iniciado no mês de março até novembro de 2024, brincamos de coisa séria: pesquisamos o imaginário local, consultamos fontes importantes, criamos novas canções, moldamos novos bonecos e demos vida a um coletivo que passou a espalhar alegria e despertar memórias pelas ruas de Paraty.
Todo território tem um chão de memórias e a cidade de Paraty é berço cultural caiçara, a partir das suas comunidades locais, ocupadas por matrizes de povos indígenas, negros escravizados e colonizadores ibéricos, sendo assim, com um imaginário popular fértil e características diversas.
O projeto Levante do Boi, do Polo Sociocultural Sesc Paraty, em parceria com os artistas Fernando Alcantara e Marcello Alcantara, do Grupo Cirandeiros de Paraty, Mestre Jubileu e seu filho Davi Cananéa, frutos de berços de ancestralidade cultural paratiense, a figurinista Elaine Moraes, que veio trazer a arte da costura para todo a indumentária, com a parceria de mulheres bordadeiras. E dois artistas e pesquisadores do boi no Brasil, Helder Vasconcelos de Pernambuco, que criou o Boi Marinho e Juliana Manhães do Maranhão, que faz parte do Boi da Floresta, na intenção de fortalecer os caminhos dessa sistematização de modo criativo e orgânico, buscando rememorar o “modê fazê” nas tradições.
O foco do projeto Levante de Boi foi buscar essa memória vivenciada da brincadeira do boi, na cidade de Paraty.
Foi preciso abrir a escuta e dar tempo às pessoas que chegavam e a memória que vinha sendo descoberta e compartilhada, assim como nos perguntar – O que nos move para este Levante do Boi?
O afeto, a alegria e a relação com o sagrado foram nossos alicerces, mas como transformar esse turbilhão de experiências e memórias em uma performance criativa e com base na tradição? Lembrando mais uma vez do projeto Mutuá, sabíamos que era um fazer com sentido coletivo.
Para que este projeto levante nascesse foi preciso muitos corpos paratienses com suas sabedorias locais e artistas educadores que pudessem juntos movimentar o chão de memórias e essa equipe foi:
Mentor
Mestre Jubileu
Mestre Jubileu
Músico cirandeiro
Mascareiro e bonequeiro
Figurinista
Consultoria externa
Atriz
Consultoria externa

Sob a orientação de Elaine Moraes, o processo foi realizado de forma colaborativa e viva, explorando várias técnicas e estilos diferentes. O boi buscava inovação, mas também queria manter sua essência como símbolo cultural de Paraty. Por isso, ela apostou em uma costura artesanal, usando fuxico, colagens têxteis e outros materiais. Os modelos de saia ganharam variedade, e a paleta de cores remete às cores da bandeira de Paraty. Além disso, muitos bordados feitos por diversas mulheres, pois a costura é uma das vocações da cidade de Paraty.

Sob a orientação de Fernando Alcantara, Marcello Alcantara e os mestres cirandeiros Nilton, Maneco e Dona Rosinha, o coletivo resgatou memórias de músicas antigas da tradição do boi nos festejos de Paraty. Eles criaram novas interpretações dessas músicas tradicionais, além de compor canções autorais e escreverem as cifras. A inspiração veio das Cirandas Caiçaras, e esse trabalho musical ajudou a reacender as lembranças das danças tradicionais, como o pau de fitas e a própria diversidade de coreografias da ciranda.

Sob a orientação do Mestre Jubileu e Davi Cananéa, foram realizadas pesquisas para identificar os personagens típicos da brincadeira do boi e de outros festejos em Paraty. Assim, surgiram imagens antigas de figuras como o Boi, Cavalinho, Miota, Capinha, Peneirinha e Voronoff, incorporados por influências dos festejos do carnaval. Com essas referências, foram confeccionados bonecos usando técnicas de papietagem ou papel machê, que foram pintados e adornados de acordo com o estilo de cada personagem. Além disso, várias máscaras foram criadas para compor a dramaturgia da performance.

Sob a orientação de Cláudia Ribeiro, mas também a partir de uma construção coletiva, a dramaturgia foi surgindo a partir das canções, da criação das cenas de acordo com cada personagem e a inspiração das festas de Paraty. Dessa forma, a dramaturgia é algo vivo, que se transforma a cada celebração. Temos um roteiro com as músicas e, com base no percurso planejado previamente, podemos fazer as apresentações com o cortejo, os cordões de integrantes que dançam, cantam, tocam e as paradas em círculo ou formação em roda.
Esses GTS foram do processo e projeto Levante do Boi. O Coletivo Boi de Pano Parati, em sua versão atual, tem atualizado outros GTS com base nas demandas contemporâneas, incluindo aspectos ligados à produção, logística e transporte, setor financeiro e pedagogia, para abordar questões educacionais.
Como diz o educador popular Tião Rocha “O bom educador é aquele que aprende mais do que ensina, porque aprende a ver, ler e usar “o lado luminoso” de seus alunos e olhar sua comunidade pelo lado cheio do copo.” Nutrida por essa reflexão a pesquisadora e professora Juliana Manhães, realizou duas ações em parceria com a Secretaria de Educação de Paraty e o Polo Sociocultural Sesc Paraty com professoras (es) da rede pública de ensino.
A educação para estar viva é preciso ter ludicidade e alegria, sendo assim fizemos uma troca de experiências sobre nossas memórias das brincadeiras de infância em nossos territórios de raiz. E a partir de jogos corporais, que trouxeram o canto, a dança, a música e o ritmo, foram se revelando tradições locais paratienses e a reflexão de como essas pedagogias brincantes podem potencializar os diversos aprendizados. Dialogamos sobre a potência dos ciclos festivos das tradições brasileiras e de Paraty e como conhecer o nosso próprio território pode germinar nas crianças e jovens a autoestima e o prazer com o conhecimento. O papel do educador é ser multiplicador e neste sentido esses dois encontros, que tiveram a participação de cerca de 60 profissionais, fez crescer em cada um a semente do prazer de ensinar e aprender. A primeira oficina aconteceu na Escola Municipal Parque da Mangueira, em março de 2024, com educadores de toda a escola e a segunda oficina foi realizada no Sesc Santa Rita, em julho de 2024, com educadores (as) de diversas escolas municipais de Paraty.
(Texto de Juliana Manhães)
Historiador
Historiador
Madrinha
Cirandeira
Mestre Cirandeiro
Texto de Lívia Lima – Antropóloga
A Festa do Divino Espírito Santo de Paraty, registrada como patrimônio cultural brasileiro pelo Iphan no ano de 2013, não está circunscrita ao centro histórico tombado. A Festa que tem seu ápice tanto no almoço de sábado que acontece no adro da Igreja Matriz, quanto na procissão pelas ruas do centro histórico no domingo, atrai devotos de todas as comunidades, rurais e urbanas, de Paraty. São festeiros que abrem suas casas para o Império do Divino, devotos que recebem a Bandeira do Divino e que guardam como patrimônio vivo na memória o dia em que a Folia do Divino adentrava a porta de casa para trazer bençãos e anunciar a chegada da Festa. Consigo, a Folia levava a lembrança da boa estadia e a promessa de doações de galinhas, porcos e donativos para o almoço do Divino.
Tal a importância do ‘Levante do Boi’, com extraordinária ação de salvaguarda capitaneada por foliões e devotos do Divino. Os bonecos tradicionais que saem no almoço são bens associados à Festa do Divino Espírito Santo enquanto patrimônio cultural do Brasil. O Boi de Pano, em especial, encarna a solidariedade social durante sua aparição no almoço do sábado, que, constituída até ali, torna possível a realização e a perpetuação da Festa.
(Texto de Lívia Ribeiro Lima)